Fragmento do livro “De alma para alma” – Huberto Rohden


Vivia um sapo – no fundo dum poço. Lá nascera, lá vivera, de lá nunca saíra – e lá esperava morrer. O seu horizonte era de um metro e meio de largura – o diâmetro do poço. A profundidade de sua vida era de três palmos – como as águas do poço. Para além da borda do poço – nada mais existia para ele…
Certo dia, tombou no fundo do poço – um sapo de outras regiões. Vinha de longe, de muito longe – das praias do mar… Com secreto rancor, viu o primeiro invadido pelo segundo o seu espaço vital. Mas, como o segundo era mais forte, resolveu o primeiro não o guerrear – e limitar-se à defesa passiva…
Depois de três dias de silêncio recíproco, travou-se entre os dois batráquios o diálogo seguinte:
- Donde vens tu, estranho invasor?
- Das praias do mar, ignoto ermitão.
- Que coisa é o mar?
- O mar?… O mar é uma grande planície d’água.
- Tão grande como esta pedra em que pousam minhas pernas gentis?
- Muito maior.
- Tão grande como esta água que reflete o meu corpo esbelto?
- Maior, muitíssimo maior.
- Tão grande como este poço, minha casa?
- Mil vezes maior. Milhares de poços destes caberiam no mar que eu vi. O mar é tão grande que sempre começa lá onde acaba. É tão grande que todo o céu cabe nele, e ainda sobra mar. Todos os sapos do mundo, pulando a vida inteira, não chegariam ao outro lado – tão grande é o mar à cuja margem nasci e vivi.

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