Em ordem, a flora pode afastar infecções e doenças inflamatórias



 Indiscutível é a importância das bactérias que povoam o intestino na nossa imunidade. A colonização começa quando deixamos o ventre materno. A amamentação e o contato com o mundo — e seus microscópicos habitantes — asseguram a formação da flora, que, com o tempo, adquire um padrão harmônico. "Além de ativar as células de defesa, essas bactérias impedem a invasão de micróbios nocivos", explica a microbiologista Regina Domingues, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Uma flora estável não só treina como ajuda a regular o sistema imunológico, diminuindo inclusive a probabilidade de ele se tornar sensível demais. "Quando se evita a colonização em experimentos com animais, eles se tornam mais suscetíveis a alergias", conta o biólogo brasileiro Daniel Mucida, chefe do Laboratório de Imunologia de Mucosas da Rockfeller University, nos Estados Unidos.

Será que suportaríamos uma infecção se fôssemos desprovidos de flora? Eis uma pergunta difícil, mas que pode ser elucidada graças a estudos com animais criados para não abrigar germes, caso dos camundongos do laboratório da professora Leda Vieira, do Departamento de Bioquímica e Imunológica da Universidade Federal de Minas Gerais. Ao nos alimentarmos, nós, seres humanos, ingerimos vez ou outra uma bactéria chamada salmonela, cuja presença passa despercebida ou causa diarréia. "Só que, quando colocamos uma única delas no tubo digestivo dos animais sem microbiota, eles morrem", conta Leda.

É de supor, então, que, se alojassem micro- organismos ali, os ratinhos teriam mais sorte, certo? A professora Leda fez o teste. "Ao introduzirmos um lactobacilo no intestino dos bichos e, mais tarde, injetarmos uma bactéria nociva ali, observamos uma reação imunológica e, com isso, os animais sobrevivem", relata. Mas os favores prestados pelos hóspedes invisíveis não se resumem a prevenir infecções: a flora também participa do controle dos processos inflamatórios. "Existem bactérias que induzem inflamação e outras, como o Bacteroidis fragillis, que estimulam o sistema imune a inibir essa resposta", diz Mucida. Esse serviço ajuda a suprimir doenças crônicas que irritam o intestino, como a colite. E, com menos inflamação na área, menor também o risco de um tumor.

Outra descoberta recente legitima a autoridade da flora. "Há um tipo específico de linfócito, uma célula de defesa, que depende das bactérias do intestino para entrar em ação", conta Daniel Mucida. De acordo com a composição da microbiota e a predisposição do indivíduo, essas células desempenhariam um papel protetor ou, então, se envolveriam em doenças autoimunes. Não à toa, cientistas querem entender melhor a interação entre flora e hospedeiro e já estudam formas de alterá-la com o intuito de abrandar esses males marcados pela agressão das próprias defesas.


DIOGO SPONCHIATO - revista Saude

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