Pausa Merecida

Toda sexta-feira à noite começa o Shabat para a tradição judaica. Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino no sétimo dia da Criação. Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo. A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não ha pausa, a vida lentamente se extingue. Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta. Hoje, o tempo de pausa é preenchido por diversão e alienação. Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações "para não nos ocuparmos". A própria palavra entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de parar é uma forma de depressão. O mundo está deprimido, e a indústria do entretenimento cresce nessas condições. Em alta velocidade Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficientemente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa. O futuro é tão rápido que se confunde com o presente. As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o domingo de um feriado... Nossos namorados querem "ficar", trocando o "ser" pelo "estar". Saímos da escravidão do século 19 para o leasing do século 21 - um dia será nosso? Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante. Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos... Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção. O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair - literalmente, ficar desatento. É um dia de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida. A pergunta que as pessoas se fazem do descanso é "o que vamos fazer hoje?" - já marcada pela ansiedade. E sonhamos com uma longevidade de 120 anos quando não sabemos o que fazer numa tarde de domingo. Quem ganha tempo, por definição, perde. Quem mata tempo fere-se mortalmente. É esse o grande "radical livre" que envelhece nossa alegria - o sonho de fazer do tempo uma mercadoria. Em tempo de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é quem traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é quem dá sentido à caminhada. A prática espiritual deste milênio será viver as pausas. Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar. Afinal, por que o Criador descansou? Talvez porque, mais difícil do que iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído. Nilton Bonder é rabino da Congregação Judaica do Brasil e escritor. Entre suas obras está "A Cabala da Comida, do Dinheiro e da Inveja" (editora Imago).

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